The Black Baloon


domingo, 27 de novembro de 2011

O amor não é para o teu bico.

No meio da aflição objetiva de sobreviver nesta cidade, neste pais neste planeta, neste tempo — ando também bastante sereno. Acho. Alguma coisa em mim — e pode-se chamar isso de “amadurecimento” ou “encaretamento” ou até mesmo “desilusão” ou “emburrecimento” — simplesmente andou, entendeu? Desisti de achar que o príncipe vai achar o sapatinho (ou sapatão) que perdi nas escadarias. Não sinto mais impulsos amorosos. Posso sentir impulsos afetivos, ou eróticos — mas amorosos, sinceramente, há muito tempo. É estranho, e não me parece falso, mas ao contrário: normal. Era assim que deveria ter sido desde sempre. E não se trata de evitar a dor, é que esse tipo de dor é inútil, é burra, é apego à matéria.   Sei lá. E não sei se me explico bem.
(Caio Fernando Abreu. Carta a Maria Lídia Magliani)




A solidão às vezes é tão nítida como uma companhia. Vou me adequando, vou me amoldando. Nem sempre é horrível. As vezes é até bem mansinha. Mas sinto tão estranhamente que amor acabou. [.. .] Repito sempre: sossega, sossega — o amor não é para o teu bico.

(Caio Fernando Abreu. Carta a Jacqueline Cantore)