The Black Baloon


sexta-feira, 23 de março de 2012

Acordei fazendo sentido...


Acordei fazendo sentido. Hoje eu não quero ir
Estou a caminho, de mim.
E pareço tão perto…

- Priscila Rôde
Tenho planos, claro (todo mundo tem). Mas objetivamente estou aqui sem nada à minha frente. O momento futuro é uma incógnita absoluta. Eu não posso pensar “não, daqui a um ano eu vou pro campo ou eu caso ou me formo ou vou à Europa”. Eu não sei. Fico esperando que pinte uma coisa, naturalmente. E essa falta de ação me esmaga um pouco. 
(Caio Fernando Abreu. Carta a Vera Antoun)
Preciso da distração do caos, da poeira abaixada, da procura.
Preciso das borboletas lá fora e de um encontro, para esquecer todo o resto.
É que tem dias que o silêncio de um olhar vazio faz barulho demais na alma. Tem dias…
Alguns dias parecem presenças vazias.
E hoje eu preciso ser desdobrada, preenchida aos poucos, de forma sutil.
Não sei viver perdendo a noção do que é meu..

- Priscila Rôde

É com essa coragem adolescente, genuína e aparentemente inofensiva que alçamos os voos mais bonitos.

(…) quero fluir: as coisas passando eu quero é passar com elas.
(Caio Fernando Abreu, carta a Vera Antoun)

Porque estamos sós com o estrangeiro que nos veio visitar

De todos aqueles dias seguintes, só guardei três gostos na boca – de vodca, de lágrima e de café. O de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de lágrima chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o quarto e me jogava na cama grande, sem Ana, cujos lençóis não troquei durante muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela, e então me batia e gemia arranhando as paredes com as unhas, abraçava os travesseiros como se fossem o corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos. O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo na boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-para-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.
(Caio Fernando Abreu. Sem Ana, Blues. In: Os Dragões Não Conhecem o Paraíso)


Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias, porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se nos tornaram estranhos; porque estamos sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque, num relance, todo sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de transição onde não podemos permanecer. Eis por que a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, penetrou no seu mais íntimo recanto. Nem está mais lá - já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu; no entanto, ficamos transformados, como se transforma uma casa em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste.

- Rainer Maria Rilke

Acho que posso dizer que é amor

Me sinto perdido no mundo. Ou dentro de mim, que seja. 
(Caio Fernando Abreu. Carta a Vera Antoun)
Acho que posso dizer que é amor, sim. Mesmo que a gente tenha se perdido para que eu pudesse encontrar a mim mesma. Mesmo que a gente tenha se perdido para que você pudesse buscar a si mesmo. É amor porque eu te guardo na lembrança bonita do meu crescimento, da descoberta do que era a co-dependência ou da fusão que subtrai. É amor, porque cantamos juntos, dançamos juntos, choramos juntos, fizemos amor intensamente, trocamos profundamente as angústias da alma, torcemos um pelo outro, nos ajudamos, viajamos juntos, gargalhamos desarvoradamente, dormimos juntos no melhor abraço um do outro, descobrimos novas músicas, sinônimos, livros, enlouquecemos lindamente, brigamos muito, fizemos as pazes várias vezes e fomos embora um do outro quando nada mais era poesia. Não foi triste, mas doeu profundamente.Uma dor resignada porque eu podia ver com clareza que já não nos acrescentávamos nada. E aprendi a trabalhar o desapego e o perdão. E hoje, quando vejo você sorrir, eu sinto que estamos bem e que fizemos a coisa certa. E o amor só pode ser isto: querer que o Outro encontre a felicidade a qualquer custo, mesmo que isso exclua você da plenitude dele. Mesmo que isto exclua o Outro da sua plenitude.

Hoje, até posso olhar para trás

Ele não disse nada. Estava começando a ficar nervosa.
— Paris, por exemplo, fale-me de Paris.
— Paris não é uma festa — ele disse baixo e sem nenhuma entonação.
(Caio Fernando Abreu - Paris não é uma festa, In: Pedras de Calcutá) 

Eu que quero coisas de verdade, que sinto as coisas de verdade e busco histórias tão mais reais e me retiro dos platonismos com toda a falta de elegância que me foi ensinada. E não sei representar nem quando subo no palco, com os pés descalços, com a alma nua (…)
Hoje, até posso olhar para trás, pois não sei andar de costas. Mas o passado, já dizia aquela música que escutei repetidas vezes, é uma roupa que não me serve mais.


- Outra Música - Marla de Queiroz